terça-feira, 26 de julho de 2011

Reproduzindo entrevista do POTOFF com Ricardo Cabral

Uma avaliação do momento atual do polo brasileiro

Praticamente finalizada mais uma participação do Brasil em um Campeonato Mundial (falta apenas a Seleção Masculina decidir o 13º lugar contra o Cazaquistão hoje à noite), o Potóff entrou em contato com o prof. Ricardo Cabral, Supervisor Geral de Polo Aquático da CBDA, para saber qual a avaliação oficial dessa participação do Brasil, assim como para levantar algumas questões a respeito do futuro próximo do polo aquático brasileiro. Esperamos que as respostas abaixo transcritas sirvam para desencadear uma discussão mais ampla dentro da comunidade aquapolista, nesse momento em que o polo brasileiro se encontra a cerca de 5 anos de voltar a jogar uma Olimpíada. Quem quiser participar pode fazê-lo através dos comentários ou, se preferir, usar nosso e-mail para enviar considerações mais demoradas ou mesmo artigos a respeito.


Qual a avaliação que a CBDA faz da participação das Seleções Brasileiras nesse Mundial?
Podemos dividir essa avaliação em duas partes. Uma baseada nas metas qualitativas e outra nas metas quantitativas que deveriam ser atingidas. Em relação a primeira, independente dos resultados, acho que estamos formando desde o ano passado uma base para 2016 com uma renovação da seleção, onde atletas mais novos estão tendo oportunidades de jogo. Pelas dificuldades estruturais que temos, o Mundial de Xangai, era parte da preparação para o Pan de 2011, que terá continuidade, agora, com estágios internacionais e treinamentos no Brasil. O técnico Goran está implantando sua concepção de jogo e está experimentando jogadores para desempenhar funções. Alguns jogadores com condições de estarem no grupo ficaram de fora, uns por motivos físicos (não atingiram, ainda, o patamar mínimo exigido pelo técnico) e outros por questões de compatibilização com atividades profissionais, e outros por ambas. Mesmo assim, a vivência dada aos atletas mais novos e o desempenho ficaram dentro da expectativa. Talvez o jogo do Japão possa ser questionado, mas resultados são imprevisíveis. O Japão fez um jogo muito bom hoje contra a Alemanha, que por sua vez venceu os EUA, que por sua vez impuseram uma goleada ao Canadá, que por sua vez goleou o Japão. Acredito que o Goran quando voltar irá fazer suas reflexões e promover algumas alterações. Quanto a avaliação quantitativa ao invés de estarmos disputando do 13º ao 16º, poderíamos estar disputando o 11º e o 12º. Sinceramente, não vejo muita diferença. Me preocupa mais a qualidade de jogo apresentada e a avaliação interna da participação que a Comissão e jogadores farão quando retornarem.


Depois de toda competição importante, o "potencial" das seleções é sempre avaliado em cima do "grande jogo contra a seleção A" ou "do ótimo quarto contra a seleção B", mas, no final das contas, o histórico do Brasil em Mundias praticamente não se altera. Por que acreditar que agora vai ser diferente?
Não só o histórico do Brasil no Mundial não se altera quanto das outras seleções. O grupo forte continua nas 5 ou 6 primeiras posições (se pudessem competir com time B ou C também, ficariam entre as 12). O grupo formado pelos EUA, Austrália, Alemanhã, Russia,continua também se alternando nas posições mais abaixo. Tentando furar o G8 mas muito longe das demais vem o Canadá, Romênia, e depois Brasil, Japão, China, Cazaquistão, Macedônia, Afica do Sul etc que se alternam entre a 12ª e 16ª posições. Isso é reflexo de algumas variáveis: posição geográfica que ocupa, nível de investimento na modalidade, safra de jogadores, entre outras. Resumindo: os fortes por questões culturais-esportivas e geográficas vão continuar sendo os melhores. Outros dependendo do investimento e da safra, ocasionalmente vão "incomodar" os grandes e os outros vão continuar como figurantes nas competições. Historicamente o polo aquático é assim. Na verdade uns disputam o Mundial A e na mesma competição outros disputam o Mundial B.


Quais as metas da CBDA até 2016?
Nossa meta para 2016 encaminhada ao COB é estarmos entre os 10 melhores, não muito diferente da meta quantitativa estabelecida pelo COB para o Brasil que é ficar entre os 10 primeiros no quadro de medalhas. Até mesmo porque, se dissermos algo diferente estaríamos sendo mentirosos ou utopistas. O planejamento estratégico está sendo preparado para isso, e como ações principais estão o aumento do intercâmbio internacional e uma melhora na condição dos atletas para se dedicarem mais ao esporte. Essa segunda me parece, ainda, a questão mais complicada. Hipoteticamente, hoje, se oferecermos R$ 5000,00 mensais para o atleta se dedicar só ao polo, estaríamos oferecendo um valor considerado interessante para ele se manter (muito acima do que podemos oferecer, hoje). A pergunta é: e após 2016? Como o  atleta irá se manter? E se ele não estudou ou abriu mão do mercado de trabalho, o que ele fará depois? O problema é que o Brasil não estabeleceu, ainda, uma política esportiva que pense no atleta pós vida esportiva. Para os esportes que já são profissionais não importa. Quem ganha 20.000,00 a 30.000,00 por mês e souber aplicar o dinheiro, depois de encerrada a vida esportiva jé fez um bom pé de meia. O problema que o polo vive não é exclusivo do polo aquático. Resumindo queremos nos apresentar bem em 2016 e plantarmos uma semente para os Jogos seguintes. Se apresentar bem significa que quando formos jogar contra alguém o adversário nos respeite como equipe.


Nos EUA e no Canadá, o modelo de desenvolvimento prioriza as seleções adultas. É um modelo viável para o Brasil?
Acredito que cada país desenvolve prioridades dentro de suas condições socio-econômicas e culturais. Há anos que acompanho seleções juniores em competições internacionais e posso afirmar que a única na America que paga 100% das despesas para os atletas e participa de todas as competições é o Brasil (Colômbia e Venezuela também pagam, mas por diversas vezes não participaram por falta de verba). EUA e Canadá, cobram dos atletas desde os treinos nacionais quanto as viagens internacionais. É claro que sobra mais verba para investir na seleção adulta. No Brasil, por uma questão cultural (da CBDA e da comunidade) é inimaginável se cobrar de atletas. Como exemplo, só esse ano tivemos um aumento de 50% nos gastos internacionais com viagens e treinamento na categoria júnior. Para se ter uma idéia de custos, tivemos mais um Sul-Americano e um Panamericano que envolvem aproximadamente 72 pessoas x 72 passagens internacionais , mais 72 pessoas com pelo menos 30 diárias no exterior. Além disso temos 1 Sul-americano, 1 Mundial júnior masculino e 1 Mundial júnior feminino. Mais ou menos uns R$ 700.000,00 só com a categoria júnior. Essa verba seria suficiente para rodar o adulto masculino e feminino na Europa por uns três meses. Mas a pergunta que faço é: Vale a pena sacrificar atletas de base em detrimento de se disputar 2 ou 3 posições melhores no Mundial? Antes que me interpretem mal devo dizer que o ideal é conseguir mais verba para cobrir todas as ações e isso, gradativamente, tem acontecido e acredito que irá acontecer ainda mais e 2016 é o responsável por isso.


Há um movimento recente de se ter uma temporada mais homogênea no Brasil, isto é, competições mais longas que façam com que os clubes permaneçam em atividade por pelo menos 8 meses seguidos. Esse modelo ajudaria ou prejudicaria o desenvolvimento das seleções?
Essa é uma outra questão polêmica. Há 3 anos atrás fizemos uma Liga com 1 mês e meio de duração pagando tudo para as equipes. Depois fizemos uma de 3 meses também pagando tudo. Sinceramente, não vi muita diferença de forma geral nas equipes quanto a comprometimento. Não sei se uma Liga de 8 meses com jogos só aos sábados resolverá o problema técnico do polo aquático brasileiro. Acho que não temos pernas e fôlego para isso, posso perceber claramente que temos, sim, umas 3 ou quatro equipes com estrutura . Uma das reclamações dos técnicos que passaram pela seleção e, agora, o Goran é a de que os atletas só treinam na seleção e que nos clubes treinam muito pouco. O Goran estabeleceu condições de convocação baseado em critérios físicos e técnicos. Já escrevi sobre isso uma vez e acho muito importante (muitos estão reclamando disso, mas acho que é fundamental ). O atleta selecionável deve estar em forma o ano inteiro. Não sei se uma competição longa de 8 meses com jogos somente aos sábados, com equipes de níveis completamente diferenciados será um elemento motivador para se manter uma treinabilidade alta. O Goran acha que sim, mas continuo achando que só aqueles selecionáveis vão treinar mais. Exemplos não faltam de clubes que colocam seus jogadores para jogar mesmo que eles compareçam muito pouco aos treinos. O Conselho técnico irá apresentar uma proposta de uma competição longa nos moldes do calendário europeu, inclusive adotando como modelo o calendário europeu. Se for viável financeiramente vamos tentar. Entretanto conheço técnicos que acham absurdo a CBDA deixar de investir na seleção em detrimento de se pagar viagens para equipes participarem da Liga, além da estrutura operacioanal necessária à organização de um grande evento. Temos, hoje, na minha ótica, duas realidades. Uma ou duas equipes com dinheiro que lançam idéias fantásticas, uma ou duas que se esforçam para viabilizar essas idéias e as outras sem dinheiro e sem estrutura que participam como podem. Aumentar para 8 meses acho ainda prematuro. Mas se for de consenso vamos tentar.


Dentro dessa mesma ideia existem 2 vertentes; uma que cogita a possibilidade de se enviar os jogadores de nível de seleção para atuar em Ligas na Europa, outra que prefere que alguns craques estrangeiros sejam contratados e distribuidos entre os clubes brasileiros, permanecendo aqui a temporada inteira. Seja qual for o modelo de desenvolvimento adotado, essas propostas são realmete viáveis?
Acho que são idéias diferentes mas convergentes. Isto é, se realizadas com sucesso o resultado esportivo aparecerá. O problema é quem irá pagar atletas estrangeiros? A CBDA não pode porque trabalha com recursos públicos (Correios/ LeiPiva e Lei de Incentivo). Manter atletas no exterior foi uma estratégia do Handball feminino. Para o masculino não deu certo, até mesmo porque, são grupos sócio economicamente diferenciados. Conversamos isso no início do ano no COB. Entretanto, o Goran não é muito favorável e temos que respeitar sua opinião. Afinal, ele é o técnico.


Tendo como base a estrutura da CBDA e a realidade do polo aquático brasileiro atual, seria possível adotar um modelo do tipo a CBDA priorizaria as seleções, enquanto os clubes ficariam responsáveis pelos campeonatos?
Acho que o problema não é a estrutura da CBDA e sim a estrutura dos clubes. Não sei se a CBDA deixar de promover e realizar competições, hoje, os clubes teriam condições de tocar os eventos. Acho que pela proximidade do Rio2016 isso seria arriscado. Acho que no final, se der errado, a responsabilidade seria dos clubes mas a culpa da CBDA. Isso sem falar no aspecto político que não é a minha área. Sou, apenas, o Supervisor Geral de Polo Aquático.


O treinador Goran Sablic enxerga um grande potencial no polo brasileiro, mas para que esse potencial se desenvolva ele propõe uma mudança de atitude que passa pela dedicação integral aos treinamentos. Já é possível uma mudança desse porte atualmente no Brasil?
Temos que entender que o Goran veio ao Brasil para se dedicar full time ao polo aquático e para isso ele quer uma seleção full time. Trabalhamos durante muitos anos com o conceito de que não poderíamos treinar muito porque não eramos profissionais. De uma certa forma, mesmo não sendo ainda profissionais, o Goran tem mudado esse conceito. Ele inverteu o problema, ou seja, para almejarmos o profissionalismo temos que nos sacrificar, e sacrificar implica em abrir mão de alguma coisa. No primeiro ano ele conseguiu um grupo que está fazendo isso. A partir de agora temos que conseguir mais apoio aos atletas para eles se dedicarem ainda mais. Entretanto, ressalto como coloquei anteriormente, que estamos muito longe do profissionalismo da modalidade. Para sermos profissionais os atletas teriam que ser profissionais nos clubes e na seleção.


E o futuro imediato, o que nos reserva?
Para finalizar posso afirmar que, hoje, já possuímos uma estrutura que nos permite pensar mais alto. Aumentamos nossas Comissões Técnicas remuneradas, aumentamos nosso quantitativo operacional, aumentamos a quantidade de eventos, já temos planejamento e verba de treinamentos nacionais e internacionais para os próximos anos, viagens oficiais e estamos (o Presidente) buscando mais recursos. Soube, hoje, que teremos boas novidades, mas não estou autorizado, ainda, a divulgar.

Professor Ricardo Cabral
Supervisor Geral de Polo Aquático da CBDA
Prof. da Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ
Mestre em Desportos para Jovens e Crianças pela UERJ
MBA em Gestão Avançada Esportiva do COI/COB

1 comentários:

Clodoaldo Lino disse...
Vou me ater nesse comentário apenas à 2ª questão. É verdade q o polo aquático tem um histórico meio imutável, mas ñ vejo isso como uma barreira intransponível. Pelo contrário, vejo o polo como uma “terra de ninguém”, aonde as possibilidades de crescer são bem concretas. O polo é um esporte de baixo investimento no mundo todo, com um número reduzido de praticantes. Certas seleções do 1º escalão, como Sérvia e Montenegro, por ex., tiram sua excelência de um número bastante reduzido de opções. Montenegro, um país com menos de 1 milhão de habitantes, têm 4, no máximo 5 times de polo. A Croácia ñ é muito diferente. A Sérvia tem, estritamente falando, apenas o Partizan, os outros são só figuração. Os valores financeiros q circulam no mundo do polo são baixos. O q quero sinalizar com isso? Q o nível de excelência no polo ñ é tão alto assim, pois o polo é, em nível mundial, um esporte de 2ª linha. Faço um paralelo com o vôlei, q até o início dos anos 80 era tb um esporte quase q exclusivo do Leste Europeu em termos de alto rendimento (vez por outra o Japão beliscava um bronze) e se encontrava estagnado. Os times e jogadores daqueles países eram colocados num pedestal inalcançável. Porém, o Brasil e os EUA provaram q ñ era bem assim. O Brasil, inicialmente, com apenas 2 times de ponta e os EUA sem nenhum, nem mesmo uma Liga, conseguiram furar esse bloqueio. Vejo um momento parecido no polo mundial, q se encontra estagnado. Quem tiver recursos e vontade de investir (e aqui entram ñ apenas patrocinadores, patronos e dirigentes, mas tb atletas), pode, em curto prazo, repetir a história do vôlei. 
Nota do Blog: Concordamos em gênero, número e grau com o que Clodoaldo falou, não podemos nos ater que somos vítimas do destino, da cultura e ou da história.

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